Quem quer ir beber um copo?
Para isto, temos de passar muitas horas seguidas juntos no dia em que ele volta de Londres, geralmente só os dois para não sermos interrompidos nas sérias e world-changing conversas que temos.
Noutro dia, estávamos num bar novo que abriu em Lisboa, com boa pinta e boa música, sentados lado a lado, numa sala interior, a beber uma bebida qualquer e a falar – talvez – da crise de Timor. Estávamos só os dois na sala, a conversar alegremente.
Nisto, entra um grupo de duas amigas e um amigo com os copos na mão. Vinham prestes a sentar-se. Olham em volta. Só estamos nós. Olham para nós, olham uns para os outros com ar comprometido, e voltam para o sítio de onde vieram. Não se sentaram.
Olhámos um para o outro.
- Estamos com ar um bocado gay não estamos?
- Gay não. Completamente roto!
Começámos a reparar em pormenores. “Ouve lá, essa bebida é um bocado de roto! Por isso é que eles devem ter pensado que éramos um casal..” “Esta bebida..sim é! Mas tu a beberes a tua pela palhinha não ajudas!!!”
E rimos da nossa própria figura ridícula. Imagine-se! Dois amigos sentados lado a lado a beber um cocktail pela palinha!! Que paneleiros!!
Que paneleiros?
É este então o estado a que chegámos: dois amigos sentem estar a passar por homossexuais, por terem ido experimentar juntos uma bebida nova a um bar novo.
Está de tal forma implementada a ostentação pública da homossexualidade masculina, que actos tão inocentes como este deixam de estar associados à sua normalidade para passarem a estar conotados com um encontro amoroso entre dois homens.
Isto é, para o grupinho que entrou no bar, seria mais normal ele e eu estarmos ali a engatar-nos mutuamente, do que a falar de Timor como bons amigos que somos.
E, ainda pior, nós próprios nos encolhemos meio intimidados quando percebemos que podíamos estar a fazer “figura de rotos”.
Não me importo minimamente que não sei quantos milhões de homens se amem uns aos outros (devem ser cegos) e nem sou daqueles que exige que o escondam – prefiro que não se beijem à minha frente, mas até o estou disposto a aceitar, em nome da liberdade individual.
Agora, preocupa-me que a maioria dos homens – que adora mulheres (há uma minoria que só gosta de mulheres, depois há uma fatia que são os homossexuais e depois há uma larga maioria que são os que adoram mulheres) – tenha de se sentir acanhado porque a minoria que gosta de homens está de tal forma enraizada que passa a ser o padrão do comportamento.
É que uma coisa é eu aceitar que haja homossexuais, outra coisa é eu me sentir confortável em ser confundido com eles.
Não me sinto minimamente bem nesse papel e faz-me um nojo sem fronteiras pensar que uma única pessoa que seja olha para mim e lhe passa pela cabeça que eu alguma vez na vida ponderaria sequer praticar o sexo anal.
Por isso, apelo a que quando virem dois homens não tirem falsas conclusões e percebam que é mais comum, se virem dois homens a falar, eles serem dois amigos do que dois homossexuais no engate.
Porque senão, qualquer dia temos de andar todos em bando e a beber canecas de cerveja para não termos medo de ser confundidos.
Ora beber canecas em bando fazia eu há 10 anos, e não me apetece voltar atrás no tempo.