Wednesday, May 03, 2006

Dubai - o último reduto do niilismo ou as aparências iludem?


Ia desfazer com palavras amargas e acusadoras a indústria de turismo que se vai desenvolvendo loucamente no Dubai, por considerar que a amálgama de resorts e praias artificiais que atraem as pessoas comprometem a minha visão do que é viajar: procurar algo de genuíno e, eventualmente, de diferente. Estava irritado com a artificialidade de umas férias passadas num local imaginário, desenraízado e feito à medida, que representa o contrário do desenvolvimento natural e intuitivo de um espaço (de uma cidade; de um país), desenvolvimento esse que me parece ser o factor motivador de uma viagem.

Isto é, assustava-me (e ainda assusta) o facto de aquilo ser um sítio feito "à medida", trazendo assim consigo os vícios do desenfreio científico, dos quais a clonagem é o expoente mais trágico: a construção da perfeição a partir do nada nega a possibilidade da evolução natural e, com isso, o desenvolvimento de anti-corpos.

Ora bem, após um breve diálogo com sobreolho decidi abster-me de criticar em demasia um local que nem conheço fisicamente (apesar de manter a minha posição fortemente crítica face ao conceito de turismo no Dubai) e dedicar-me mais ao lado louvável do que é o Dubai, do qual me apercebi exactamente nessa pequena conversa.

Acontece que o Dubai consome apenas 5% das suas receitas de petróleo (o que implica que investe - já que assumo que não poupa nada - 95% das receitas milionárias).

Países como a Arábia Saudita, por exemplo, não souberam o que fazer com as receitas exponenciais desde há décadas e degeneraram em ditaduras esbanjadoras semi-permissivas, em que a elite política que beneficia com o petróleo compra a liberdade dos súbditos através dos petrodólares, isto é, não lhes oferece democracia nem desenvolvimento mas, em troca, usa uma pequena parte das fortunas petrolíferas para proporcionar à população o essencial à sua sobrevivência e poder assim gastar desmesuradamente o resto sem ser criticada.

O exemplo do Dubai deu-me que pensar, porque lá está-se a re-investir quase tudo, de forma a assegurar um futuro sustentável para o Emirado. Investe-se em turismo, em alta finança, em conhecimento..está-se a tentar fazer do Dubai um local credível, isto é, transformar um deserto num oásis.

Ora isto leva-me a pensar na própria motivação humana e nos drivers que a movem: ponho-me no lugar dos líderes do Dubai e tento descobrir qual a melhor forma de atrair pessoas para ali, pessoas essas que, uma vez acabado o petróleo, lá permaneçam.

O que é que atrai as pessoas? Como transformar um nada num local onde famílias viverão felizes, uma vez terminado o petróleo?

E - mantendo a minha dúvida inicial, que no âmbito deste raciocínio ainda se torna mais crítica - tiro o chapéu aos barões do petróleo do Dubai, que se aperceberam do problema e estão a pôr em prática a solução possível, num local desenraízado: colonizá-lo.

E assim, toda a artificialidade se transforma em isco, com o objectivo de chamar pessoas de origens culturais diversas (movidas pelo driver comum a todas, que é o luxo) que, uma vez sentindo-se bem no Dubai, quiçá por lá fiquem, criando através da sua permanência e da sua actividade uma economia que sobreviva ao petróleo.

O desenfreio que eu critico é, no Dubai, um meio maquiavélico (na acepção original da palavra) de atingir um fim.

Aliás, a estratégia - que eu não conheço e, portanto, sobre a qual especulo - é genial e segue uma lógica inatacável:

Somos um local ermo cheio de dinheiro --> o dinheiro vai acabar se não investirmos --> são necessárias pessoas que, impulsionadas pelo investimento, sejam as pioneiras de uma economia sustentável --> temos de chamar pessoas que se estabeleçam aqui --> o maior chamariz em todo o Mundo é o luxo e a qualidade --> vamos atrair pessoas pelo luxo e criar paralelamente uma economia de serviços --> uma percentagem vai sentir-se bem e ficar --> quando acabar o petróleo, teremos uma economia funcional independente do petróleo e um Emirado no meio do deserto e originalmente desenraizado, povoado por uma sociedade liberal, multicultural e pioneira.

Brilhante, tendo em conta o que se passa no resto do mundo árabe.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

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4:13 PM  

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